domingo, 18 de abril de 2010

.as pipas II

Miguel não queria dizer ao avô, mas então se lembrava do velho pijama, há tantos meses descosturado embaixo do braço, que até parecia o tempo querendo fazer coceguinhas. Mas ele não conseguia rir daquela graça sem-graça, daquela espera tão longa; e o tempo parava sem jeito, sem bateria, o ponteiro no cinco, o ponteiro no cinco, o ponteiro no cinco...

Daí, passava o dia, vinha um passarinho como quem não queria nada, nem alpiste ele queria, vinha o sol, a sombra debaixo dos pés, vinha a estrela, o vaga-lume, mas o relógio só querendo ser as cinco horas, só as cinco horas; as cinco horas daqui, as cinco horas do deserto, as cinco horas do Japão, como se ele pudesse dar a volta no mundo, sem ao menos dar a volta em si mesmo.

Miguel reparava muito nessas coisas. Miguel reparava em tudo, mas não queria avisar o relógio e interromper as voltas que ele fazia no planeta Terra, e deixá-lo para sempre pendurado em cima da porta.



texto originalmente publicado no blog de Rita Apoena: http://ritaapoena.blogspot.com/

1 comentários:

Lívs. disse...

AAAAAH! mto, mto bom *-*

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails